A leitura adequada sobre as novas regras estabelecidas pela ANS a respeito do cancelamento de planos de saúde por falta de pagamento

A leitura adequada sobre as novas regras estabelecidas pela ANS a respeito do cancelamento de planos de saúde por falta de pagamento

Postado em 07/07/2025

Por Eliezer Queiroz de Souto Jar — Professor do LLM de Direito Médico e da Saúde da UNICAP e Conselheiro da Escola Superior de Advocacia de Pernambuco – ESA-PE.


De acordo com o art. 13, inciso II, da Lei dos Planos de Saúde, lei federal, o contrato pode ser cancelado por falta de pagamento das mensalidades do plano, caso o atraso seja maior que 60 dias (consecutivos ou não). Isso sempre no período de 12 meses de vigência do contrato.

A ANS é a agência reguladora do setor, criada por lei. Cabe à Administração Pública Indireta, portanto, regulamentar, por meio das suas resoluções normativas, como deve ser realizado o procedimento, já que não foram estabelecidos os detalhes pelo legislador, que se limitou em afirmar que o cancelamento contratual pode ser efetuado por inadimplência do beneficiário.

Por meio da RN ANS 593, os pormenores do procedimento acerca do cancelamento do plano de saúde em face de inadimplência, foi regulamentado. As regras estão valendo desde o dia 02 de fevereiro deste ano (o Presidente da ANS suspendeu o início da sua vigência, até o dia 01/02/2025, para que as operadoras se adequassem às novas normas estabelecidas). De forma breve, será realizada uma análise em linguagem simples e objetiva, neste trabalho. Vamos em frente.

A notificação por inadimplência deverá ser encaminhada até o 50o dia de atraso. Isso pode ser feito após este prazo, contanto que sejam oferecidos 10 dias para que o usuário possa regularizar sua situação. Deve ainda, restar considerado que:

se o beneficiário tiver realizado o pagamento de alguma das mensalidades que estavam em aberto, o período não pode mais ser computado, para fins de cancelamento;

se a operadora de saúde der causa ao atraso do pagamento, o tempo de inadimplência será desconsiderado.

Mas como o plano de saúde poderia dar causa à falta de pagamento? Explica-se:

a operadora de saúde não encaminha ou não disponibiliza o boleto de pagamento (o portal eletrônico apresenta problemas, o e-mail com o boleto não é encaminhado, o correio com o documento não é enviado...);

a seguradora não toma as providências cabíveis para que o débito automático seja efetuado em conta corrente do usuário.

O beneficiário deve comprovar que procedeu de todas as formas possíveis para realização do pagamento, mas não obteve sucesso. Mas, não é porque não consegue pagar que deve negligenciar completamente e aguardar uma postura do fornecedor. Deve continuar insistindo quanto ao cumprimento do seu compromisso, referente à sua obrigação de pagar. Até porque deve estar respaldado pela boa-fé objetiva.

Decorridos os 10 dias após o recebimento da notificação, se o pagamento não for feito, o plano de saúde poderá ser cancelado, desde que, por óbvio, a operadora de saúde faça prova do recebimento da notificação, pois, à falta disto, haverá a invalidação do ato de exclusão.

O beneficiário tem o direito de questionar o valor ou o período denunciado sem pagamento, no prazo de 10 dias, que é aberto para a regularização da situação, fato este que irá propiciar nova abertura de 10 dias para o pagamento, se, após a resposta da operadora de saúde, a situação permanecer a mesma, qual seja, o débito em aberto.

O acordo será sempre bem-vindo e permitido pela regulação (porém, atenção para esta informação, pois o STJ já entendeu que isso é uma contradição, qual seja, ter a intenção de excluir o beneficiário e aceitar uma negociação de pagamento – RESP 1.995.100-GO).

Havendo nova inadimplência, o procedimento deverá ser, mais uma vez, estabelecido. A mesma coisa se diga para casos em que o beneficiário é notificado, paga e novamente (em momento posterior) deixa de pagar. O rito descrito na resolução deve sempre ser seguido, cada vez que houver um atraso, até que o débito seja sanado ou o plano reste cancelado.

A notificação pode ser realizada por email com certificado digital (ou no qual esteja ativada a ferramenta da confirmação de recebimento), ou ainda, por mensagem instantânea (SMS) que tenha a tecnologia da criptografia (mas só terá validade se o usuário confirmar o recebimento), ligação telefônica gravada (cujos dados sejam confirmados pelo beneficiário) e ainda, por carta com aviso de recebimento (pelo regulamento, não é necessária a assinatura do destinatário). Para proceder de boa-fé, a operadora de saúde deve utilizar os dados fornecidos para fins de cadastro (a operadora deve alertar o usuário para manter os dados atualizados em seus registros).

Neste ponto, cabe um detalhe. Se o usuário não for notificado na 1a tentativa de contato, todas estas modalidades devem ser realizadas. A partir da última, após os 10 dias de prazo para resposta, o plano de saúde poderá ser cancelado. Tudo precisa ter comprovação, fora o fato de que o plano de saúde necessita manter o alto nível de divulgação das formas de notificação que foram formalizadas, o que deve ser realizado, no mínimo, no seu portal eletrônico.

Todavia, para todos os planos de saúde formalizados antes da entrada em vigor desta Resolução Normativa, vale a notificação prevista em contrato. Mas, as demais regras devem ser aplicadas para toda a comunidade de usuários que pagam diretamente os seus planos de saúde, cujos contratos foram firmados após 01/01/1999.

Na notificação, a operadora de saúde deve estar identificada, ou seja, necessário constar o seu nome, localidade onde realiza suas atividades e o registro na ANS. O tipo do planode saúde, que está igualmente registrado no órgão deve também estar detalhado. A pessoa física, da mesma forma, precisa estar efetivamente identificada, para que seja demonstrada a lisura do contato, que é feito com a pessoa natural vinculada ao seu CPF.

Demais dados necessários que devem constar na notificação: valor exato da dívida atualizada, detalhes do débito e formas de pagamento disponíveis, além do prazo para regularização, que já se sabe, são 10 dias.

Pertinente que seja realizada uma breve análise, ato contínuo, a respeito da judicialização da saúde suplementar, que envolve a temática, já que as regras apresentadas são muito claras e objetivas. O cancelamento do plano de saúde por falta de pagamento não depende de ação judicial. Não há dificuldade na sua interpretação, com exceção da situação em que o beneficiário está em tratamento de saúde ou internado em unidade hospitalar ou domiciliar.

Válido frisar (antes de dar continuidade às questões referentes à judicialização) que as regras até aqui comentadas e debatidas devem ser aplicadas aos planos de saúde individuais e familiares e também, ao beneficiário que paga diretamente à operadora, a sua mensalidade do plano de saúde coletivo.

Pois bem. Considerando todas estas informações, a operadora de saúde não pode rescindir o contrato (por qualquer que seja o motivo) quando o paciente estiver em internação hospitalar, de acordo com a regra do regulamento. Importante realizar o confronto desta regulamentação com a padronização do Poder Judiciário, formalizada no Tema 1.082, proveniente do procedimento uniformizador dos recursos especiais repetitivos.

O Judiciário fixou tese no seguinte sentido: a operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.

De forma sucinta, importante o esclarecimento desta questão que aparenta ser controversa e de difícil resolução.

Válido observar que a pacificação do entendimento do Poder Judiciário sobre o assunto compõe uma ressalva final: “(...) desde que o titular arque integralmente com a prestação devida.”

Sendo assim, é possível concluir, de acordo com a lei dos planos de saúde e o seu regulamento, sem maiores discussões que:

estando o beneficiário internado, o plano de saúde não poderá rescindir o contrato, por qualquer que seja o motivo;

se o usuário estiver em tratamento de saúde, mas estiver com 02 ou mais mensalidades atrasadas, sem que tenha realizado o pagamento, o contrato assistencial poderá ser cancelado (desde que o rito do regulamento seja obedecido) e não haverá a necessidade de ação judicial para que se realize tal procedimento.

Uma boa parte destas regras já existiam, mas, com a recente reformulação do regulamento, com novos dispositivos que visam facilitar a operação dos contratos e a sustentabilidade do setor, se espera um resultado positivo, de modo que a clareza da norma de regência auxilie na desjudicialização da saúde suplementar, fato este que trará benefícios para todos os sujeitos que atuam na área (pelo menos no que diz respeito à esta temática). 


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