O Avesso da Medalha: Leis, Diagnósticos e o Silêncio sobre o Autismo Adulto

O Avesso da Medalha: Leis, Diagnósticos e o Silêncio sobre o Autismo Adulto

Postado em 05/08/2025

Por Elaine Serpa - Graduanda em Direito (10º período) e formada em Letras.


A crescente produção legislativa no Brasil, embora bem-intencionada, levanta uma questão crucial: quantas leis ainda serão criadas antes que o autismo adulto seja, de fato, enxergado? Nos últimos anos, o país tem produzido uma quantidade expressiva de normas voltadas às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Recentemente, celebramos a sanção de leis como a nº 15.131, que inclui a terapia nutricional como parte do cuidado integral à saúde, e a nº 14.992/2024, focada na inclusão no mercado de trabalho. Esses avanços legislativos, por mais significativos que sejam, parecem não ser suficientes para transformar a realidadede uma parcela da população que continua à margem. A esperança de quem acredita na força da legislação como instrumento de inclusão começa a esvaziar-se, tornando essa enxurrada de normas um eco vazio.

Para as famílias e pessoas autistas que dependem desses direitos, o desafio ultrapassou a esfera jurídica e se tornou um problema estrutural, político e prático. A distância entre o que a lei promete e o que a realidade entrega pode se tornar abissal. A demora no avanço de políticas públicas eficazes e de fiscalização rigorosa permite que a inclusão seja negada na prática. Muitas pessoas autistas enfrentam a negação de consultas, terapias desautorizadas, a falta de preparo nas escolas e a burocracia excessiva que, em vez de proteger, se torna mais uma

barreira.

Uma das maiores lacunas nas políticas públicas brasileiras é o foco quase exclusivo na infância, como se o autismo desaparecesse com o tempo ou como um transtorno efetivamente atual. Esse olhar institucional, ainda imaturo, ignora o ciclo de vida completo da pessoa autista. Como resultado, jovens e adultos autistas enfrentam uma invisibilidade que se manifesta na falta de apoio adequado e nas poucas oportunidades reais. É fundamental que as políticas públicas comecem a reconhecer e abordar os desafios do diagnóstico tardio, da transição para a vida adulta e da inserção efetiva no mercado de trabalho.

A necessidade de provar repetidamente uma condição permanente, por meio da exigência de laudos periódicos, é um dos exemplos mais claros dessa falta de sensibilidade. O Projeto de Lei nº 1414/2025, que busca corrigir esse erro estrutural, ainda tramita lentamente no Congresso, demonstrando a urgência e a dificuldade em se obter a compreensão necessária para essa questão. Essa lentidão reflete o quanto ainda falta sensibilidade e compreensão do que é viver no espectro, impondo um cansaço desnecessário a quem já lida com tantos obstáculos.

A produção legislativa, embora essencial, não é o único caminho. É preciso que as leis sejam criadas com foco e, principalmente, que sejam executadas com eficácia. A criação de novas leis sem a garantia de meios para que elas funcionem não transforma vidas; apenas gera mais frustração. A inclusão exige mais do que tinta no papel — exige presença, prática e um compromisso real com a realidade de quem, até hoje, continua à margem da sociedade. Não se trata apenas de criar mais leis, mas de garantir que as leis existentes se cumpram.

É fundamental que a sociedade e o poder público enxerguem, de fato, todos os autistas, inclusive os que já cresceram. O amadurecimento do olhar sobre o espectro autista é a chave para a construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva, que valorize e respeite a diversidade em todas as fases da vida.


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