Medicamento de Uso Domiciliar deve ser Coberto pela Operadora de Plano de Saúde?

Medicamento de Uso Domiciliar deve ser Coberto pela Operadora de Plano de Saúde?

Postado em 08/10/2025

Por Gustavo Calmon Advogado, Especialista em Direito Médico e da Saúde pela Universidade Católica de Pernambuco e Conselheiro da Escola Superior de Advocacia de Pernambuco – ESA/PE


          A cobertura de medicamentos é uma das principais temáticas à luz da judicialização brasileira. A negativa da operadora de plano de saúde, geralmente é revertida no âmbito judicial, sob os fundamentos gerais de direito à saúde, à vida, dignidade da pessoa humana, além de regras contidas no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

          Para tratarmos do assunto é fundamental esclarecer que a Lei 9.656/98 instituiu o chamado plano-referência, previsto nos arts. 10 e 12, como umas das principais políticas do setor. Este produto serve como um padrão obrigatório para todas as operadoras, que devem oferecê-lo no momento da contratação. Ele estabelece a cobertura mínima para doenças definidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e inclui uma lista de tratamentos para os segmentos ambulatorial e hospitalar.

          Portanto, ao criar essa modalidade básica, as operadoras não apenas asseguram o direito à saúde, mas também ajudam o consumidor a comparar as ofertas do mercado de forma mais evidente. O cliente consegue, desta forma, avaliar com clareza o custo-benefício de cada produto ofertado, gerando segurança e transparência na relação jurídica.

          Assim, o plano-referência e os regulamentos elaborados pela Agência Nacional de Saúde (ANS) estabelecem parâmetros de cobertura e de exceção, dirimindo imprecisões sobre as garantias previstas em contrato.

          Neste sentido, o artigo 10 da lei, prevê em seus incisos as hipóteses de exclusão de cobertura, incluindo o fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar (inciso VI), com algumas restrições.

          Na leitura do referido artigo é possível observar que o legislador é explícito ao excluir os medicamentos de uso domiciliar das coberturas obrigatórias pelos planos de saúde, dando ao consumidor ciência de seus direitos e limitações.

          As exceções – isto é, mesmo se tratando de uso domiciliar, a operadora deve custear – estão contidas no inciso VI do mesmo artigo, e incluem: i) os medicamentos antineoplásicos orais, ii) os medicamentos para o controle de efeitos adversos e adjuvantes de uso domiciliar relacionados ao tratamento antineoplásico oral e/ou venoso, iii) medicamentos utilizados durante internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, assim como iv) os medicamentos inseridos no Rol da ANS e que, eventualmente, constem em contrato ou aditivo.

          Seguindo esta lógica, a ANS emitiu o PARECER TÉCNICO Nº 20/GCITS/GGRAS/DIPRO/2024 acerca da cobertura de medicamentos de uso domiciliar, corroborando com o texto legal e fornecendo maior esclarecimento sobre o assunto.

          É importante destacar que estes fármacos devem estar devidamente registrados e/ou regularizados pela ANVISA.

          Por outro lado, mesmo com a clareza da legislação, alguns julgadores decidem pela obrigatoriedade de custeio dos medicamentos. Eles se baseiam no parágrafo 13 do artigo 10 da mesma lei (redação dada pela Lei 14.454/2022) para impor a cobertura de eventos não previstos no rol da ANS. Para isso, os procedimentos devem ser prescritos por um médico ou odontólogo e precisam atender a 03 (três) requisitos: i) comprovação de eficácia, ii) recomendação da CONITEC e iii) recomendação de, no mínimo, 01 (um) órgão internacional de renome.

          Todavia, este raciocínio é generalizador, isto é, não se aprofunda ao tema central, ao mérito da questão, incitando pleitos análogos, causando obrigações indevidas. Como consequência, gera insegurança jurídica, distorce o equilíbrio econômico-financeiro do contrato,gera um custo maior pelas operadoras e seguradoras e, sequencialmente, o aumento da mensalidade.

          Entretanto, o STJ apresenta um cenário legislativo lógico para esta ambiguidade. Recentemente, em junho de 2025, a 3ª Turma, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi julgou um recurso1 – que tramita em segredo de justiça – sobre medicamento à base de Canabidiol para tratamento de pessoa com o transtorno do espectro autista (TEA) a ser ministrado em casa, conforme prescrição médica. Foi decidido que é lícito à operadora de plano de saúde negar medicamento de uso domiciliar não inserido no rol da ANS. Em seus argumentos, a Ministra destacou que o art. 10, inciso VI e parágrafo 13 da Lei 9.656/98 devem ser interpretados conjuntamente e não isoladamente, isto é, enquanto o inciso VI dispensa a cobertura domiciliar — a não ser que haja exceções legais, previsão em contrato ou norma regulamentar —, o parágrafo 13 determina as condições para que tratamentos ou procedimentos fora do rol da ANS possam ser cobertos.

          No caso, foi dado importância a intenção do legislador, que expressamente afasta a obrigatoriedade de custeio de medicamentos de uso domiciliar, salvo as exceções previstas. O raciocínio utilizado é de que o inciso VI do art. 10 da lei não integra o plano-referência, de modo que o medicamento de uso domiciliar não é de custeio obrigatório pelas operadoras e seguradoras.

          Este entendimento se alinha com outros julgados do STJ, à exemplo da bomba infusora de insulina, por se tratar de equipamento de uso domiciliar, não previsto nas exceções legais (AgInt nos EDcl nos EREsp 1.987.778-SC). Além disso, outros julgados corroboram com a tese: REsp 1.692.938-SP, REsp 1.692.938/SP.

          É relevante destacar que existem políticas públicas que garantem o acesso a determinados fármacos à população em geral, inclusive, medicamentos de alto custo, a serem fornecidos pelo SUS, à exemplo do fármaco Viekira Pak para tratamento de infecção crônica pelo vírus da Hepatite C; mas, como vimos, isso não significa que as operadoras de planos de saúde devem custear estes mesmos medicamentos, uma vez que a lógica é diferente. Enquanto o primeiro é garantido constitucionalmente pelo Estado (art. 196, da CF/88); o outro é suplementar, previsto em lei e regulamentos específicos (art. 199, da CF/88).

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/11072025-Plano-nao-tem-de-cobrir-medicacao-a-base-de-canabidiol-destinada-a-uso-domiciliar-e-nao-listada-pela-ANS.aspx#:~:text=%E2%80%8BPara%20a%20Terceira%20Turma,de%20Sa%C3%BAde%20Suplementar%20(ANS).

          Sendo assim, espera-se que o judiciário siga esse entendimento, o que resultará na diminuição da judicialização. Essa mudança é benéfica, pois gera segurança jurídica para todos os envolvidos: operadoras, consumidores e o próprio sistema de justiça.